As luminárias mata-mosca com lâmpadas fluorescentes deram lugar a spots com dicróica disparando feixes de luz milimetricamente calculados. Balcão de aço inox com tampo de vidro cilíndrico, não há. Menos ainda as icônicas peças de carne penduradas em ganchos. Placas pretas com tipos plásticos amarelo-gema, descrevendo os cortes e seus preços, viraram artigo de loja vintage.
Nos açougues inaugurados nos últimos meses, o cenário em nada lembra o de um açougue. Ao menos não aqueles de bairro, mais simples, aos quais os brasileiros estavam acostumados. Até por isso boa parte desses novos espaços se autorrotulam boutiques de carne. Imagem é tudo – e expressão verbal também. Especialmente quando a intenção é dissociar o modelo atual da proposta dos açougues à moda antiga, oferecendo uma nova experiência de consumo e um produto tratado de forma distinta.
“O consumidor procura, além de um produto de qualidade, uma experiência de compra melhor. Sem cheiro de sangue ou carnes penduradas. Quer um lugar limpo, bem iluminado e com som ambiente. Uma loja mesmo, como se estive no shopping center comprando roupa”, diz o empresário Darcio Lazzarini, da Intermezzo Gourmet, uma das precursoras nesse segmento.
Os cortes, embalados a vácuo, trazem o preço impresso em etiquetas com código de barras e ficam em modernosas e organizadas geladeiras embutidas. Facilitam a vida do cliente, que identifica com facilidade as do dia o dia, para o churrasco ou já resfriadas. Algumas dessas butiques têm ainda espaço com churrasqueira, para degustações, aulas de cozinha e eventos. É o caso do The Butcher, recém-aberto em Pinheiros, em São Paulo, pelos empresários Caio Bortman, Dennis Perlman e Leon Isfahani.
“Sentimos que São Paulo tinha carência de lugares onde houvesse tudo para um churrasco de qualidade e também para o consumo diário. As senhorinhas já estão entendendo o que é ancho e trocando o filé mignon por outros cortes”, diz Perlman. Ele e os outros sócios se inspiraram em lojas de fora, com estilo meio underground, e também na Prime Boutique, no Rio, para construir o espaço de dois andares e 135 m2. “Por coincidência a Feed abriu pouco antes e deu um up no mercado.”
O empresário paulistano refere-se a outro espaço de perfil semelhante, ainda mais sofisticado, aberto no início do ano pelo engenheiro agrônomo Pedro Merola. Da quinta geração de uma família de fazendeiros, ele era um dos proprietários do Bonsmasra Beef, fornecedora de cortes da raça para restaurantes. Comprou a empresa dos outros sócios e a transformou na Feed. “Deixei o mercado de restaurantes porque não é tão gostoso quanto trabalhar com pessoa física, com quem você desenvolve um relacionamento próximo”, diz Merola.
Com fachada envidraçada e pé-direito enorme, a Feed ocupa um ponto nobre, de 360 m2, no Itaim Bibi. Mas um espaço elegante, com poltronas de design arrojado e cara de butique, não intimida quem passa na frente? “Há ônus e bônus quando se cria um ambiente novo. Para nós, açougue tem de ser assim. Um lugar para sentar e falar de gastronomia, com um chef dando aulas e uma almôndega deliciosa. Temos um espaço que permite viver uma experiência diferente. Um açougue convencional não oferece isso. Você compra e vai embora. O bônus é esse. Por outro lado, muito cliente potencial passa na porta e acha que estamos fora do orçamento dele. Mas isso vai mudar com o tempo”, afirma Merola.
Organizadas por cortes para cada ocasião, e também com indicações para os que ficam melhor no forno ou fogão, as geladeiras da Feed têm carnes de R$ 18 (acém) a R$ 90 (picanha) o quilo. “Não é porque somos mais sofisticados que os nossos preços vão ser diferentes. A filosofia da empresa é o cliente gastar a mesma coisa e ter mais prazer. Como conectamos o produtor direto ao consumidor, o preço é o mesmo praticado num bom supermercado do Sul e Sudeste. Não abusamos da margem.”
O sócio do The Butcher defende o mesmo raciocínio. “A aparência da loja assusta um pouco, mas só até a pessoa entrar. Aí, percebe que tem carnes para todos os bolsos e gostos, que uma casa assim não é necessariamente cara. Queremos oferecer produto de qualidade confiável a preço justo”, diz Perlman.
A oferta crescente de espaços como esses vai ao encontro de um público essencialmente masculino. Homens de 25 a 50 anos, que gostam de carne e, mais ainda, num churrasco. “Passamos por um processo de enriquecimento da população e ascensão das classes sociais. Cada vez mais o brasileiro se dispõe a gastar mais para comer melhor”, diz Darcio, filho de Sylvio Lazzarini, que foi pecuarista por 30 anos antes de abrir o premiado Varanda Grill. “E não é só o aumento da renda que tem desenvolvido o mercado de carnes premium. A gastronomia passa por um momento de globalização. Os brasileiros começaram a ir para a Argentina e provar ancho, chorizo. Viajar para os EUA e conhecer o ribeye, o new york strip steak. Voltavam e queriam carnes tão boas quanto aquelas. Foi quando começou a se olhar mais para as raças de gado. A preferir os taurinos, com boa genética.”
No Feed, Merola trabalha essencialmente com gado meio sangue, mistura de angus com bonsmara. “O mercado de carne premium é muito novo ainda. Vai levar uns 20, 30 anos para se desenvolver”, diz. “De modo geral, a carne vendida no Brasil está aquém da qualidade que poderia ter. Ainda existe o costume de comprar filé mignon, porque é mole, e picanha, pelo sabor. Só que não existe carne de segunda quando o boi é de primeira.”
No The Butcher, os sócios têm uma assessoria de campo que seleciona os produtores e acompanha o gado da criação ao abate. Trabalham com angus, bonsmara e wagyu. Os cortes para churrasco variam de R$ 28,90 (shoulder) a R$ 95 (picanha). O valor do wagyu depende do nível de marmoreio, que varia de 1 a 12. Lá, eles comercializam a partir do 4. O quilo do ancho de kobe, como é chamada a carne do gado japonês, varia de R$ 280 (marmoreio 4) a R$ 400 (marmoreio 10). “São raças que dão origem a carnes mais saborosas e suculentas. Brasileiro está acostumado com cortes traseiros, picanha e contrafilé. Queremos valorizar os dianteiros, por isso estamos apostando nos não-tradicionais, como o shoulder [ombro] e a bananinha [extraída entre as ripas da costela]. Ancho já se vende sozinho.”
A Beef Passion produz o próprio gado, angus e wagyu, e tem loja própria em Higienópolis. Ficou conhecida no meio gastronômico depois de conquistar a preferência de chefs como Alex Atala, André Mifano e Alberto Landgraf. “A empresa ainda é embrionária, mas crescemos 80% em 2013 na comparação com o ano interior. Além da certificação de origem e excelência na matéria-prima, é necessário manter o padrão de qualidade. Nossa produção é artesanal e limitada. Nada é terceirizado. Até a ração dos animais é produzida na fazenda. Dos 64 corte que produzimos, 80% podem ser grelhados somente com sal. O restante do tempero fazemos na nutrição e preparação dos animais”, brinca o presidente da marca, Ricardo Sechis.
Fonte: Jornal Valor Econômico, resumida e adaptada pela Equipe BeefPoint.