“Os dados demonstram a qualidade da carne brasileira e a confiança dos mercados internacionais no nosso produto”.
“A conta foi muito positiva para o produtor e frigorífico exportador. Hoje, temos tecnologia de ponta na pecuária, evoluímos muito”.
As duas frases resumem bem como foi 2020 para a carne bovina brasileira, mesmo em um ano marcado pela pandemia da Covid-19 e a morte e contaminação de milhões de pessoas pelo mundo.
A primeira avaliação é do presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), Antonio Jorge Camardelli, ao divulgar que a exportação de carne bovina deve fechar o período com recordes em volume e faturamento. Embarque de 2,02 milhões de toneladas, 8,8% acima de 2019, e receita de US$ 8,53 bilhões, 11,8% sobre 2019. Com vendas para 155 países e China, Hong Kong e Egito entre os principais importadores.
A segunda análise é de um dos bons conhecedores do mercado de Pecuária no país, Sérgio Ribas Moreira, Diretor Comercial do Serviço Brasileiro de Certificações, o SBC. O executivo relembra que já exportamos dois milhões de toneladas em outros anos, mas a diferença agora é a velocidade no avanço da profissionalização do segmento. “Em 18 anos, vi muita coisa na Pecuária. No início deste século, estávamos bem atrás da Agricultura, que avançou em precisão, tecnologia, etc. Eu falava sobre rastreabilidade animal, identificação individual com brinco, e muito pecuarista não apoiava, defendendo a tradicional marca a fogo. O Sisbov (Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina), com muitas transformações e evolução na regra, certamente, serviu como base para traçar um padrão de identificação dos animais. A cadeia começou a ver como era importante. A identificação individual, balança e um sistema informatizado representam o tripé para um início de uma boa gestão que a fazenda deve buscar”, explica.
O profissionalismo crescente acabou sendo fundamental em um período extremamente delicado. E Sérgio Ribas acrescenta que as condições de mercado ajudaram bastante. A pandemia trouxe isolamento, distanciamento, dificuldades para produzir. O número de abates caiu, o câmbio ajudou as vendas externas, o consumo interno firmou-se com o auxílio de emergência do governo federal, o brasileiro ficou mais em casa e comprou mais carne bovina. “Porém, fico um pouco preocupado com a dependência de nossos clientes China e Hong Kong. É um canal que comprou aproximadamente 60% da nossa exportação de proteína animal. É prudente que tentemos pulverizar o número de nossos clientes externos. Nesse sentido, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) está realizando um excelente trabalho, negociando com México, Canadá, Coreia do Sul e Japão, que não compram do Brasil e são os que mais pagam pela tonelada de carne in natura. O resultado deve ser positivo, não está distante, pela competência mostrada pelo governo em conversar, alinhar os protocolos sanitários e acertar os acordos de comercialização”, aponta.
Sergio Ribas conhece bem o mercado e a cadeia produtiva da carne vermelha. Desde os tempos de criança, quando não saía do sítio do avô, em meio a galinhas, cavalo, cabrito, plantio de milho, café, laranja, limão, pokã, colhia, torrava e moía o café. Aprendeu a plantar, tirar leite de vaca e cabra, assim como cuidar e respeitar a criação. O gosto levou o cidadão de Botucatu (SP) a cursar Zootecnia. E no fim da faculdade, foi estagiar em Nova Andradina, no Frigorífico Independência, então a maior empresa exportadora brasileira. “Eu tinha um amigo uruguaio cujo pai era proprietário de uma trade, a Intermeat, que tinha escritório no Brasil e em vários países. Eu queria conhecer a pecuária orgânica, que naquela época estava começando no Brasil, assim como conhecer a indústria frigorífica por dentro, principalmente o setor da qualidade. Dessa forma, fui orientado a estagiar nesse frigorífico, que na época tinha uma fazenda certificada orgânica”, lembra.
Na época, conheceu a médica veterinária Cristina Lombardi, que prestava consultoria para o Independência e era sócia fundadora do Serviço Brasileiro de Certificações (SBC). Logo após sua conclusão de curso, contratou o recém formado. “Eu nem sabia que existia uma certificadora em Botucatu. Comecei como auditor em 2003, lá mesmo em Nova Andradina, fazendo auditoria Sisbov com produtores e fornecedores do frigorífico, que já era o maior exportador para a Europa. E também atuava como auditor EUREPGAP do SBC e orgânico para o IBD, uma certificadora irmã do SBC. Uma experiência que vivi até 2009, quando fui convidado a ser sócio da empresa, onde comecei a dar foco total na área comercial”, recorda.
E é a experiência do executivo do SBC que o leva a prever o ano de 2021 também como positivo. “O abate provavelmente permanecerá baixo, pois o ciclo demora a se regularizar. A procura internacional pela nossa carne também vai prevalecer, pelo menos no primeiro semestre. Assim, a tendência do valor da arroba se sustentar é grande. Ela caiu um pouco no fim de 2020, mas não tem muito degrau para baixo, não. É de R$260 para cima”, opina. O desenho feito pelo especialista combina bem com a visão da ABIEC, que estima para 2021, embarques de 2,14 milhões de toneladas e faturamento de US$8,78 bilhões.
Um otimismo semelhante ao vivido pela equipe do SBC. Sérgio Ribas ressalta que as mudanças forçadas de hábitos no trabalho não impediram o engajamento das equipes e o trabalho eficiente desempenhado nas casas dos colaboradores. “Devemos fechar o ano com um crescimento próximo de 10%, isto em um ano muito difícil. As auditorias foram remotas no início da pandemia, nas fazendas já certificadas. As novas fazendas que ingressaram na certificação SISBOV tiveram que aguardar porque a primeira inspeção teve que ser presencial. Mas, no segundo semestre, voltaram às auditorias e inspeções de forma presencial, possibilitando, assim, a certificação de novos produtores. Todos acabaram adaptando-se muito bem. Produtor, indústria e certificadora. E ainda fechamos o selo da cadeia de fornecimento com a JBS. Nada menos do que 37 unidades bovinas, auditadas remotamente, bem conduzidas e com o cliente satisfeito. Em 2021, os planos são ainda mais ousados e queremos lançar já em fevereiro o novo selo de Bem-Estar Animal. Concluímos a parte teórica, realizamos dois meses de ensaios práticos e em janeiro provavelmente validaremos o ‘check list’ para oferecer esse novo produto, versão brasileira com metodologia Welfare Quality’, aos parceiros e novos clientes”, comenta animado.
Especialista em certificação, Sérgio reconhece o ano complicado vivido pelo fornecimento quando o tema envolve o bloco Europeu, uma realidade atestada pela ABIEC. “Para a Europa, não foi positivo, a pandemia atrapalhou bastante. A média anual sempre manteve-se em 110 a 120 mil toneladas por ano, e em 2020 caiu para 75/78 mil toneladas. Mas os outros mercados garantiram os bons resultados e esperamos que em 2021 a Europa volte com força assim que a vacina preventiva contra o novo Coronavírus traga a vida ao normal em nosso planeta”, justifica.